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Amor e Correspondência: As Cartas Não Queimadas de Machado de Assis para Carolina de Novais Antes do Casamento.

Machado de Assis trocava cartas com, Carolina Augusta Xavier de Novais, enquanto ela vivia em Portugal e ele no Brasil, mais para frente se casariam.

A distância era uma fonte de sofrimento para Carolina, especialmente porque, naquela época, ela não era a única mulher na vida de Machado. Suas cartas frequentemente expressavam essa dor e insatisfação — correspondências que, mais tarde, ela queimou.

O sofrimento de Carolina cessou quando ela se mudou para o Brasil e encontrou serenidade ao lado de Machado. Ela se tornou sua leal companheira e uma leitora ávida, revisando tudo o que o marido escrevia.

Dizem que ele não publicava nada sem antes submeter ao crivo dela, e que os textos eram frequentemente revisados e corrigidos por Carolina. Com o passar do tempo, ela viria a falecer, divisor de águas na vida de Machado, causando inestimável tristeza.
Duas cartas não foram queimadas, ambas sem indicação de ano, mas certamente antecedem o casamento, sendo uma delas, uma carta incompleta.

As cartas de amor de Machado Assis para Carolina Novais

2 de Março.

Minha querida C.

Recebi ontem duas cartas tuas, depois de dois dias de espera. Calcula o prazer que tive, como as li, reli e beijei! A minha tristeza converteu-se em súbita alegria. Eu estava tão aflito por ter notícias tuas que saí do Diário há uma hora para ir a casa, e com efeito encontrei as duas cartas, uma das quais devera ter vindo antes, mas que, sem dúvida, por causa do correio foi demorada. Também ontem deves ter recebido duas cartas minhas; uma delas, a que foi escrita no sábado, levei-a no domingo às oito horas ao correio, sem lembrar-me (perdoa-me!) que ao domingo a barca sai às seis horas da manhã. Às quatro horas levei a outra carta e ambas devem ter seguido ontem na barca das duas horas datarde. Deste modo, não fui eu só quem sofreu com demora de cartas. Calculo a tua aflição pela minha, e estou que será a última.

Eu já tinha ouvido cá que o M. alugara a casa das Laranjeiras, mas o que não sabia era que se projetava essa viagem a Juiz de Fora. Creio, como tu, que os ares não fazem nada bem ao F.; mas compreendo também que não é possível dar simplesmente essa razão. No entanto, lembras perfeitamente que a mudança para outra casa cá no Rio seria excelente para todos nós. O F. falou-me nisso uma vez e é quanto basta para que se trate disto. A casa há de encontrar-se, porque empenha-se nisto o meu coração. Creio, porém, que é melhor conversar outra vez com o F. no sábado e ser autorizado positivamente por ele. Ainda assim, temos tempo de sobra; 23 dias; é quanto basta para que o amor faça um milagre, quanto mais isto que não é milagre nenhum.

Vais dizer naturalmente que eu condescendo sempre contigo. Por que não? Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida. Não te admires, é coisa muito natural; és tão dócil como eu; a razão fala em nós ambos. Pedes-me coisas tão justas, que eu nem teria pretexto de te recusar se quisesse recusar-te alguma coisa, e não quero.

A mudança de Petrópolis para cá é uma necessidade; os ares não fazem bem ao F., e a casa aí é um verdadeiro perigo para quem lá mora. Se estivesses cá, não terias tanto medo dos trovões, tu que ainda não estás bem brasileira, mas que o hás de ser espero em Deus. Acusas-me de pouco confiante em ti? Tens e não tens razão; confiante sou; mas se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do coração resume-se em dois capítulos: um amor, não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo; fui eu o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não prolongam sem sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com os seus conselhos, a rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem remorso. Eis tudo.

A tua pergunta natural é esta: qual destes dois capítulos era o da Corina? Curiosa! Era o primeiro. O que te afirmo é que dos dois o mais amado foi o segundo.

Mas nem o primeiro nem o segundo se parecem nada com o terceiro e último capítulo do meu coração. Diz Stäel que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote querealça-os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: “levanta-te, crê e ama; aqui está uma alma que te compreende e te ama também”.

A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo de que saberei desempenhar este agradável encargo.

Olha, querida, também eu tenho pressentimentos acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?

Obrigado pela flor que me mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse em ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma.

Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom conosco.

Volto à questão da casa; manda-me dizer se aprovas o que te disse acima, isto é, se achas melhor conversar outra vez com o F. e ficar autorizado por ele, a fim de não parecer ao M. que eu tomo uma intervenção incompetente nos negócios de sua família. Por ora, precisamos de todas estas precauções. Depois… depois, querida, queimaremos o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro por ti. Escreve-me e crê no coração do teu

Machadinho.”

A Carta incompleta

 

2 de Março.

Minha Carola.

Já a esta hora deves ter em mão a carta que te mandei hoje mesmo, em resposta às duas que ontem recebi. Nela foi explicada a razão de não teres carta no domingo; deves ter recebido duas na segunda feira.

Queres saber o que fiz no domingo? Trabalhei e estive em casa. Saudades de minha C., tive-as como podes imaginar, e mais ainda, estive aflicto, como te contei, por não ter tido cartas tuas durante dois dias. Afirmo-te que foi um dos mais tristes que tenho passado.

Para imaginares a minha aflição, basta ver que cheguei a suspeitar da oposição do F., como te referi numa das minhas últimas cartas. Era mais do que uma injustiça, era uma tolice. Vê lá justamente quando eu estava a criar estes castelos no ar, o bom F. conversava a meu respeito com a A. e parecia aprovar as minhas intenções (perdão, as nossas intenções!). Não era de esperar outra coisa do F.; foi sempre amigo meu, amigo verdadeiro, dos poucos que, no meu coração, têm sobrevivido às circunstâncias e ao tempo. Deus lhe conserve os dias e lhe restitua a saúde para assistir à minha e à tua felicidade.

Contou-me hoje o Araújo que, encontrando-se num dos carros que fazem viagem para Botafogo e Laranjeiras, com o Miguel, este lhe dissera que andava procurando casa por ter alugado a outra. Não sei se essa casa que ele procura é só para ele ou se para toda a família. Achei conveniente comunicar-te isto; não sei se já sabes alguma coisa a este respeito. No entanto, espero também a tua resposta ao que te mandei dizer na carta de ontem, relativamente à mudança.

Dizes que, quando lês algum livro, ouves unicamente as minhas palavras, e que eu te apareço em tudo e em toda a parte? É então certo que eu ocupo o teu pensamento e a tua vida? Já mo disseste tanta vez, e eu sempre a perguntar-te a mesma coisa, tamanha me parece esta felicidade. Pois, olha; eu queria que lesses um livro que eu acabei de ler há dias; intitula-se A Família. Hei de comprar um exemplar para lermos em nossa casa como uma espécie de Bíblia Sagrada. É um livro sério, elevado e profundo; a simples leitura dele dá vontade de casar.

Faltam quatro dias; daqui a quatro dias terás lá a melhor carta que eu te poderia mandar, que é a minha própria pessoa, e ao mesmo tempo lerei o melhor………………………………………………………………………………………………………………….. ………………………………………………………………………………………………………………………

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