VIVA – Cores, poesia e movimento
A cidade sequestra sua ruína
Debaixo de toneladas de pintura,
como puta velha sorri com dentes de desamparo.
Cada passo no asfalto
levita fantasmas que surgem
nas janelas com vista para o mar.
Canal abaixo a cidade desaparece como pó e pedra.”
Poeta: Magdalena Cairo Madrazo (Helen)
Professora da Universidade Havana, Cuba.
Essa poesia que introduz a história funciona como preliminares ao mergulho (nada raso) de encontro com a forte e marcante personalidade das ruas de Havana. O ambiente que afeta a atmosfera, o clima e conta história em Viva (Cuba/Irlanda, 2015), dirigido por Paddy Breathnach.
Jesus (Héctor Medina Valdés) é um jovem cabeleireiro que trabalha em uma boate gay, cuidando dos cabelos das Drag Queens. Homossexual, sem irmãos, o pai foi embora quando ele tinha 3 anos de idade e a mãe faleceu. O velho apartamento deixado pela família é tudo que ele tem: concreto, degradação e ferrugem… é a materialização da energia que habitam o cotidiano de Jesus.
Do básico da vida, são as dificuldades que assolam os dias de Jesus, ele que luta para se alimentar, viver, sobreviver e ser gente. O mínimo. Tudo isso expresso em uma face branda, mas que carrega dor e tristeza. Das dificuldades diárias, Jesus vê em seu trabalho o encantamento e a pequena luz de esperança na vida, decidindo performar no clube que trabalha, para melhorar de vida. Essa, que começa vestida como uma mudança profissional (algo para ganhar mais dinheiro), trata-se mais do desabrochar de um ser, o nascimento de Viva (persona da performer). Tal mudança sofre um rompimento com a surpresa chegada de seu pai, Angel (Jorge Perugorria). Um homem homofóbico e, a principio, cheio de cargas negativas do passado, entrando na vida de Jesus como se nada houvesse acontecido e impondo a sua castração de ser.
O enredo que, num primeiro momento, parecia abordar a vida difícil de um rapaz homossexual em descoberta na bela Havana (o que já não era nada fácil), vai além e embarca numa história de opressão, busca pela identidade, redescobrimento e confusões internas, que exteriorizam. Seres imperfeitos, sentimentos que evoluem para compaixão, o amar sem cobrar passado, abrir mão do que se ama (de si) para abraçar aquilo que se considera responsabilidade, anulando a pessoa que dentro de Jesus gritava para nascer para o mundo (que metáfora do Jesus Messias). Inicia-se a evolução de uma nova relação, onde os encontros com o pai se tornam cada vez mais delicados, profundos e importante para a trama. Em meio à fome e à vontade de sustentar o pai, Jesus vê na prostituição um doloroso caminho para a sobrevivência, do qual ele não se identifica. A performance ainda o chamava e, escondido, voltou a ir ao clube performar.
Nada de efeitos especiais: a simplicidade das câmeras que percorrem as ruas de Havana com Jesus são como a sua companhia, a solidão fica tímida e se esconde. Entramos em um clima intimista e compartilhamos da tristeza da personagem. Essa que, afinal de contas, só tinha a si como melhor amigo. Emocionante é um momento em que chora sozinho no corredor, entrando em total contato consigo. Difícil não ter empatia.
A sensibilidade e a beleza da performance que evolui a cada apresentação de Viva nos mostram o nascer de um ser que estava em gestação. Héctor Medina Valdés está totalmente entregue a personagem, alimentou-a de muita delicadeza e tristeza, munindo-se de intensa carga sentimental, mas que encarna outro ser quando Viva está em cena. As vestes, os trejeitos, as expressões, harmonizados em movimentos do corpo cheio de vigor, possuem uma beleza hipnotizante, dando a devida importância à persona, Viva. Vale ressaltar que a trilha sonora é uma injeção de vida para Viva, belíssima!
Premiado nos Estados Unidos, na Austrália e exibido no Festival de Sundance, Viva foi elogiado pela crítica internacional e traz a riqueza do cinema Latino Americano que pouco comungamos, do qual fazemos parte e com o que temos tanto em comum. Maravilhoso é o fato de obras como esta chegar até nós. Isso deveria ser recorrente. Temos diante de nossos olhos uma poesia em movimento que exalta a metáfora da borboleta, essa que dolorosamente sai do casulo para voar e encontrar a insustentável leveza do ser, sentir e ser VIVA!
O filme encontra-se disponível na Netflix
Trailer